ENXERGAR A RIQUEZA DA CAATINGA PARA PROMOVER A SUA PRESERVAÇÃO.
A Caatinga é um dos poucos ambientes semi-áridos da América do Sul e, no contexto do Brasil, onde noventa e seis por cento do território posssui climas úmidos e semi-úmidos, seu caráter excepcional lhe confere o título de único bioma exclusivo do país. Para o sertanejo (habitante da Caatinga), não são o calor e a seca que marcam sua vida, mas a chuva, que é ansiosamente aguardada, enquanto a maioria dos brasileiros esperam pelo calor do verão. A expressão “bom tempo”, usada por estes, soa como uma heresia para os sertanejos.Como em muitos ambientes do Brasil, na Caatinga alternam-se anualmente um período chuvoso (“inverno”) e um período seco (“verão”); este último é caracteristicamente longo, e o período chuvoso pode atrasar-se ou mesmo não chegar, em certos anos.
Ao longo da história do Brasil, pesquisas científicas pontuais e trabalhos de divulgação cheios de idéias preconcebidas sobre a natureza e a gente do famigerado Sertão Nordestino têm retratado a Caatinga como um ambiente homogêneo, pobre e pouco interessante para estudos ecológicos e para implantação de projetos de desenvolvimento sustentável. Daí decorreu o atraso nas pesquisas biológicas e nas ações de conservação ambiental para a região. Depois da Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal, Floresta de Araucária e Cerrado, que foram declarados centros de biodiversidade e patrimônios naturais da humanidade, é que se começa a enxergar a Caatinga. O pouco que já foi realizado neste ambiente já é o suficiente para esclarecer muitos pontos obscuros e derrubar preconceitos antigos. Aquele que pensa que a Caatinga é homogeneamente seca, pedregosa e cheia de plantas espinhentas pode desfazer facilmente tal impressão tendenciosa, percorrendo qualquer estrada do Nordeste que passe por esse ambiente. Há fisionomias florestais densas, arbustivas, campestres e rupestres, além de uma infinidade de matizes revelados nas áreas de transição e nos enclaves de outros biomas nas serras e brejos, por exemplo. A diversidade natural da Caatinga só começou a ser melhor conhecida recentemente, e pesquisas no campo da Ecologia, Zoologia, Botânica, Genética, Etnobiologia e Biotecnologia têm revelado uma inesperada riqueza e complexidade. Entre outras revelações, estão a descoberta de intrincadas interações ecológicas e de muitas espécies que são exclusivas da Caatinga (as espécies endêmicas). Embora esse bioma ainda seja mal conhecido, sabe-se que é mais diverso do que outro qualquer no mundo que esteja exposto a condições de clima e solo similares. Complementam a séria de mitos sobre a Caatinga as idéias preconceituosas sobre a pobreza humana de seus habitantes: homens e mulheres mal alimentados, mal formados, submetidos a estruturas sociais rígidas, e perfeitamente adaptados ao seu ambiente natural, que teria sido pouco alterado por eles ao longo da História. Apesar de tantas “fraquezas”, o sertanejo reproduz-se vigorosamente, fato que sempre foi usado para justificar campanhas de controle da natalidade e para caracterizar o Nordeste como região exportadora de gente. Chegou-se a pensar que a população remanescente, num futuro próximo, tenderia a viver num desolador vazio demográfico, em meio a caatingas inalteradas. Todas essas idéias incidiam sobre o ambiente semi-árido mais povoado do mundo e um dos mais degradados do Brasil ! A densidade de povoações e estradas na área da Caatinga é impressionante, formando uma vasta e complexa rede de cidades, e essa é uma das maiores riquezas desse bioma: gente. Gente que produz, que pensa e que tem idéias, o que é um dos maiores tesouros humanos. Essa riqueza humana, que ajudou a produzir uma paisagem rude e diversa, em meio a uma das mais vigorosas culturas populares, é que deve ser tomada como o principal componente a ser trabalhado, se quisermos conservar a biodiversidade e a beleza evocativa da Caatinga. Do lado da riqueza natural, os dados disponíveis sobre o Semi-árido são entusiasmantes. Os seguintes números aparecem na “Apresentação” da Ministra Marina Silva para a obra “Biodoversidade da Caatinga: Áreas e Ações prioritárias para a conservação” (publicação do Ministério do Meio Ambiente e outros, Brasília 2004): – 12 tipologias diferentes são reconhecidas para o bioma Caatinga. Até os peixes, essencialmente ligados à presença da água, são ricamente representados no Semi-árido; para o trecho do rio São Francisco em que ele atravessa a Caatinga, por exemplo, são registradas 116 espécies, em 70 gêneros. E tudo isso, num contexto de pouquíssimo estudo dessa biodiversidade; a tarefa que se coloca para os estudiosos, portanto, é gigantesca, mas promete ser altamente gratificante. Autores: Deodato Souza e Osmar Borges. |