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ECOLOGISTA FAZ O REPOVOAMENTO DE PAPAGAIOS E PERIQUITOS NA CAATINGA.

O arquiteto e fazendeiro José Juraci Pereira não é filiado ao Greenpeace, a ONG mundialmente famosa pelas táticas de guerrilha com que defende o meio ambiente, não freqüenta passeatas pelo verde, e não abraça lagoas e nem é filiado ao Partido Verde. Mesmo não sendo ambientalista de carteirinha, nem por isso deixa de ser um ecologista militante, capaz de esperar 10 anos para ver o sucesso de uma experiência, como a que está obtendo agora com o repovoamento de papagaios e periquitos na região das Queimadas e Santaluz, no semi-árido baiano, onde fica a sua fazenda Morrinhos, de 718 hectares, pioneiramente transformada em reserva particular do patrimônio natural pelo Ibama.

Ex-empreiteiro da construção civil, atividade na qual confirmou a tese darwinista segundo a qual só as raposas felpudas sobrevivem na fauna das concorrências e licitações, José Juraci Pereira acabou se transformando num ecologista persistente, que tem a singular característica de combinar atividade econômica (criação de gado) com manejo ecológico, tudo isso num só lugar. Um lugar, aliás, que não desperta o menor interesse de ambientalistas xiitas, já que ali não a rios serpenteando a paisagem, não há a exuberância de florestas e pântanos e durante quase todo o ano o que menos se vê é verde.

Nesse ambiente dominado pela aridez da paisagem na maior parte do ano, a caça predatória e um hábito arraigado entre caatingueiros , que a transformam num misto de esporte e sobrevivência . Vivendo num ambiente castigado por inclementes estiagens, o sertanejo pobre quase sempre encara animais silvestres como fonte de proteínas e não vê nenhum sentido estético na leveza de um vôo de beija-flor na algaravia da passarada despertando a manhã. Desde cedo, os meninos nos sertanejos são iniciados na arte de caçar e os seus primeiros troféus são passarinhos abatidos de badogue. Caçadores mais implacáveis são capazes de perder noites espreitando o tatu enfurnado no buraco; e veados, caititus, gados-do-mato não escapam da sanha de cães e chumbo.

É nesse cenário cruel e cinzento do sertão que José Juraci vai colhendo pequenas vitórias na sua batalha pela reconstituição do que já foi a caatinga. O papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) e os periquitos – guerre-guerre (Aratinga cactorum) e cuiubinha (Forpus xanthopterygius) são aves que estavam deixando de enfeitar a paisagem do semi-árido, principalmente porque são muito apreciadas por caçadores que as vendem nas feiras livres e nas beiras de estradas. Aves interessantes pela sua expressão de alegria, pela beleza da plumagem que se confunde com a explosão exuberante da vegetação caatingueira nos períodos chuvosos, os papagaios e periquitos são capturados ainda filhotes. Apanhados nessa fase, se adaptam facilmente a ambientes domésticos e, no caso dos papagaios, são ainda mais cobiçados porque tem a característica incomum de reproduzir as palavras e sons humanos – gritam, assobiam, cantam e falam. Um filhote de papagaio pode custar até R$50,00.

O trabalho de repovoamento dessas espécies começou há uma década, mas a tática utilizada pelo fazendeiro revelou-se frustrante. Primeiro, ele e os poucos nativos convertidos em ecologistas passaram a fazer um rastreamento e acompanhamento dos ninhos, promovendo uma sistemática fiscalização para que os ovos, filhotes ou pais não fossem capturados. Assim, os ovos poderiam eclodir e os filhotes ganhariam o mundo, naturalmente. No entanto, ao menor vacilo, as crias eram apanhadas nos ninhos e até os pais eram capturados. “Por mais que se faça para evitar a caça, a pesca e a captura de aves e animais, o nativo não resiste á necessidade da fome”, explica.
Quando percebeu que o método utilizado só seria viável se fosse possível botar guarda 24 horas por dia em cada oco, em cada árvore ou cupinzeiro onde papagaios e periquitos costumam fazer seus ninhos, Juraci mudou de estratégia. Passou então a fazer o acompanhamento dos ninhos, mas assim que os filhotes nascem são recolhidos e levados para a sede da fazenda e criados até a idade em que já podem alçar vôos.
Em casa, os filhotes de papagaio e periquitos são tratados como se estivessem no seu próprio habitat. Ou seja: são acondicionados em cabaças com folhagem (para suprir a carência de calor) e alimentos duas vezes ao dia à base de papa de milho ainda morna (para reproduzir a mesma temperatura com que recebem os alimentos dos pais).
O novo método está sendo considerado um sucesso, principalmente porque entre os filhotes recolhidos até agora não houve ocorrência de morte. Este ano, o primeiro da nova experiência, ele conseguiu 10 exemplares de periquitos-guerre-guerre e três papagaios, que já bateram asas e foram se juntar aos outras aves, compondo o idílio silvestre e a “riqueza sem fim da caatinga”. Antes de alcançarem a liberdade, porém, as aves são marcadas com um fecho tipo presilha numerada na asa direita e anilhadas com numeração, ano de nascimento, a marca J1 (uma espécie de “ferro”) e o telefone da residência de José Juraci em Feira de Santana, onde ele vive. Tudo isso faz parte do seu programa particular de acompanhamento do crescimento e destino de aves.
O número de aves que ele já conseguiu salvar das mãos dos predadores humanos pode ser considerado pequeno, mas representa um significativo esforço e um exemplo em defesa do meio ambiente. “Como não vou parar, espero que dentro de alguns anoso semi-árido fique mais alegre e cheio de vida”, assinala José Juraci, com a mesma emoção da criança que ganha o seu primeiro brinquedo.” A caatinga contém uma pureza e beleza que só quem vive, sente. É necessário que a sociedade a preserve e a desfrute”, acrescenta. É o que ele está fazendo, não apenas com papagaios e periquitos, mas com todas as espécies que povoam a região. Na sua propriedade, animais antes considerados extintos podem ser encontrados, como emas, caititus, veados, jabutis, mocós, gado-do-mato, jacus, patos selvagens etc.

– O trabalho conservacionista destas espécies tornou-se um imperativo pelo fato de que ano a ano o número de exemplares na natureza vem diminuindo, apesar do trabalho de educação e conscientização da população – frisa José Juraci, ele próprio uma espécie de Dom Quixote da causa ecológica, que há mais de 10 anos tenta converter nativos à sua casa, a custo de muita pregação em bodegas e escolas da região. Em Queimadas e Santaluz, já conseguiu adeptos entusiasmados, que ele faz questão de citar um a um: Evaldo Oliveira, Eliane Lopes, Osvaldo Silva, Divandira Araújo, Barnabé Alves, além de seu filho José Emiliano. É com essa tropa de militantes e a ajuda da Superintendência do Ibama na Bahia, que faz dali refúgio de animais apreendidos em blitze, que a propriedade de José Juraci vai se tornando um pequeno paraíso da mundo animal.

UM “PAPAGAIÓFILO”

Por conta da observação das hábitos dos psitacídeos (nome cientifico da família dos papagaios e periquitos), José Juraci Pereira acabou se transformando num ornitólogo sem diploma, mas especializado em comportamento dessas aves. Fazendo anotações e catalogando dados, ele fez o seu próprio dossiê sobre papagaios e periquitos. Algumas das suas observações:
Os periquitos-guerre-guerre escolhem como local de postura cupinzeiros abandonados e constroem seus ninhos num processo que consiste numa escavação de baixo para cima até alcançar a parte superior, que é alargada, para obter espaço adequado para postura e incubação. Esse sentido de escavação tem por finalidade proteger sua prole de eventuais chuvas e de predadores. Com o ninho pronto, soltam penas, deixando apenas a parte inferior mais livre para expelir umidade, que é importante na alimentação dos filhos ainda dentro do ovo, como também para facilitar o nascimento. Esse periquito põe em média cinco ovos e a eclosão alcança 100%. A incubação dura mais ou menos 23 dias e os filhotes voam entre 30 e 45 dias. Um dado curioso no processo de reprodução foi observado quando chega o tempo dos filhotes voarem. Como local da postura fica na parte superiordo cupinzeiro, os filhotes não saem pelo corredor que vai até a parte inferior; eles esperam os pais fazerem a abertura na parte superior. Dos psitacídeos é o único que de fato constrói o seu ninho.

O papagaio-verdadeiro escolhe como local de postura ocos em grandes árvores como aroeira, pau-d’arco, baraúnas e barrigudas. O ninho fica a uma profundidade de até 2 metros. Põe em média três ovos e escolhe sempre o mesmo local para a postura. A incubação é feita tanto pelo macho quanto pela fêmea e a eclosão se dá em 24 dias; os filhotes voam com cerca de 45 dias. O papagaio é carente de proteção dos pais mesmo após estarem voando. Nas primeiras semanas, os filhotes voam sempre acompanhados dos pais. Segundo os nativos, os filhotes voam na quaresma, mas trata-se de uma crendice, pois há casos em que a postura se dá em abril e os filhotes voam no mês de junho. A exemplo do papagaio-verdadeiro, o periquito-cuiubinha tem praticamente os mesmos hábitos. A postura é em média de cinco ovos e a eclosão se dá com 21 dias; voam mais ou menos com 30 dias.

– Estas aves são monógamas, ou seja, não se separam. Alimentam-se dos frutos do imbuzeiro (é com i mesmo), da umburana, do ouricorizeiro, do mandacaru-de-boi, flores de pendões da flecha do sisal e do cipó-de-leite.

Jornal A Tarde – Caderno Rural
Bahia, 1º de junho de 1995 – Ano VII, nº 335, pags. 5 e 6
Texto: Jailton Batista

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