Artigo-9

Áreas de Soltura e Monitoramento de Animais Silvestres para o Estado da Bahia.

Por Aline Borges do Carmo – Bióloga
Analista Ambiental CETAS Chico Mendes/IBAMA
Mestranda em Ecologia e Biomonitoramento- UFBA.

 

Histórico:

O tráfico de animais silvestres é a terceira maior atividade ilícita do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas. O Brasil ocupa um lugar importante neste contexto devido, entre outros motivos, à enorme biodiversidade de nosso país, aos graves problemas sociais existentes e a uma legislação extremamente branda relacionada a este assunto. Assim, a cada ano, são retirados de nossos biomas 38 milhões de animais, sendo que de cada 10 animais capturados, apenas 1 chega vivo ao consumidor final.

As conseqüências deste quadro, para a natureza, são preocupantes. A sobrexploração é a segunda maior causa de extinção das espécies, ficando atrás somente da diminuição de habitats naturais. A depressão endogâmica, a perda da flexibilidade evolucionária, a depressão exogâmica, entre outras causas, acabam levando as espécies ao chamado “vórtice de extinção”, em uma situação difícil de se reverter. Esta situação complica-se ainda mais em espécies de ocorrência limitada ou endêmica, espécies que necessitam de grandes áreas, aquelas que não são dispersoras eficazes e as que requerem nichos especiais

Animais da fauna silvestre apreendidos pelas autoridades competentes são, usualmente, encaminhados a Centros de Triagem, locais responsáveis pela recepção, triagem, tratamento, reabilitação e adequada destinação destes animais.

O estado da Bahia é um grande fornecedor de animais silvestres, seja para o consumo local, como “xerimbabos” (devido a arraigados hábitos ditos “culturais”) como para o tráfico nacional e internacional. Este estado possui, atualmente, apenas dois Centros de Triagem de Animais Silvestres em funcionamento, sendo um localizado no município de Vitória da Conquista, atendendo às regiões sul e sudoeste e o CETAS Chico Mendes, localizado em Salvador, e que recebe animais de toda a região norte e nordeste da Bahia desde o final do ano de 2003.

Em um painel apresentado no VII Congresso de Animais Silvestres e Exóticos, realizado em setembro de 2006 no município de Ilhéus/BA, foram avaliados os dados obtidos em dois anos de atividades do CETAS Chico Mendes – IBAMA/BA dos Animais Silvestres oriundos do comércio ilegal na Bahia (apreensões e entregas espontâneas). Não foram levados em conta, neste trabalho, animais provenientes de resgate em áreas urbanas.

Entre os 2800 animais de origem ilegal, as aves foram mais freqüentes (80,4%), principalmente pássaros canoros adultos e machos e filhotes de papagaios. Entre os répteis (15,4%), destacaram-se filhotes de jabutis-piranga, cuja função, acredita-se que seja servir como presente para crianças, por conta do seu deslocamento lento e tolerância à manipulação. Entre mamíferos (4,2%), foram mais freqüentes os primatas e felinos, para fins de criação como pets, e os cinegéticos, como a cutia e o tatu, para consumo alimentar.

Segundo relatório anual referente ao ano de 2006, ainda no prelo, foram recebidos naquele ano 2661 animais, provenientes de apreensões, resgates e entregas espontâneas, sendo destes 1661 aves, 811 répteis e 189 mamíferos, ilustrando a atual realidade do CETAS Chico Mendes.

A destinação destes animais deve ser, segundo o Decreto nº 3179/99 , artigo 2º, § 6:

II – os animais apreendidos terão a seguinte destinação:

a) libertados em seu habitat natural, após verificação da sua adaptação às condições de vida silvestre:
b) entregues a jardins zoológicos, fundações ambientalistas ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados; ou
c) na impossibilidade de atendimento imediato das condições previstas nas alíneas anteriores, órgão ambiental autuante poderá confiar os animais a fiel depositário na forma dos arts. 1.265 a 1.282 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, até implementação dos termos antes mencionados.

Considera-se, portanto, o retorno à natureza, apesar do processo às vezes complexo, com os devidos cuidados, possível e desejável. Iniciativas neste aspecto, apesar de ainda incipientes, estão crescendo em todo o Brasil, com resultados animadores. A Superintendência do IBAMA/SP realizou, no ano de 2006, o I Encontro Nacional de Áreas de Soltura e Monitoramento, mostrando os resultados preliminares de três anos de trabalho, procurando encontrar um meio termo aceitável entre as exigentes recomendações da IUCN e a realidade enfrentada pelas Unidades do IBAMA. Este trabalho, fruto de parcerias entre o IBAMA, Universidades e Empresários, culminou no estabelecimento de 09 áreas de Soltura e Monitoramento, sendo que centenas de animais já foram devolvidos criteriosamente à natureza graças a esta iniciativa.

O IBAMA- Superintendência Estadual da Bahia- pretende, desta forma, elaborar projetos de soltura criteriosa, sendo que, para isso, torna-se essencial primeiramente estabelecer contatos com proprietários interessados de cadastrar suas propriedades como ASM- Áreas de Soltura e Monitoramento.

Justificativa:

A destinação preferencial para animais recebidos em Centros de Triagem, conforme verificado no item anterior, é a devolução ao seu habitat natural, popularmente conhecida como “soltura”. A soltura sem critérios, ainda amplamente realizada por vários órgãos ambientais e Polícia Florestal, traz sérios riscos ao ecossistema, similares àqueles trazidos pela introdução de espécies exóticas.

Entretanto, dados da RENCTAS mostram que, ainda hoje, 78% dos animais apreendidos no Brasil são soltos sem os maiores cuidados, na maioria das vezes. Centros de Triagem estão cada vez mais lotados de animais provenientes de apreensões, resgates e entregas espontâneas, recorrendo, muitas vezes, a solturas sem posterior monitoramento, seja por falta de verbas ou de pessoal.

Como objetivos das solturas e cadastramento de áreas de soltura, podemos listar:

1) Recolocação de espécimes e estabelecimento de populações na natureza;
2) Retorno de processos ecológicos(polinização, dispersão, herbivoria, polinização, etc);
3) Geração de experiências, informações e conhecimento;
4) Estabelecimento de parcerias, integração de órgãos governamentais e privados;
5) Incentivo à pesquisa com fauna e flora (levantamentos, monitoramentos, enriquecimento florístico, etc);
6) Incentivo à sensibilização da população e à proteção de áreas verdes.

A criação de áreas de soltura é, portanto, uma poderosa ferramenta para a realização de solturas criteriosas, utilizando-se a técnica de soft-release, cuidados pré e pós soltura e posterior monitoramento. A contribuição desta ação não se restringe somente à fauna silvestre, mas abrange a conservação em um aspecto mais global, seja pelo fomento a pesquisas, proteção de áreas verdes ou educação ambiental.

Proposição:

Atualmente, há no CETAS Salvador cerca de 400 passeriformes provenientes de apreensões e que estão ainda em estado asselvajado. Os animais provenientes das últimas apreensões já foram marcados com anilhas abertas com lacre, fornecidas pela COEFA/IBAMA/DF, conforme relação em anexo, e estão em período de quarentena. A grande maioria destes animais é proveniente do bioma Caatinga, na parte norte do estado, segundo o professor Caio Graco, ornitólogo da UEFS (Universidade Federal de Feira de Santana).

Assim sendo, a devolução destes animais deverá ocorrer em uma área do sertão, preferencialmente na região norte do Estado da Bahia. Dentre os possíveis locais para envio destas aves, há duas opções mais imediatas. A primeira opção seria o município de Queimadas, onde existe a Fazenda do Sr. Juracy, que já se mostrou interessado e disposto em ajudar ações de soltura em sua área. É uma área grande, cercada por terrenos pertencentes à própria família do interessado, onde a entrada de pessoas estranhas é vetada. Já foi realizado um levantamento da fauna da área pela equipe do CETAS/NUFAU e a ocorrência das espécies que se pretende soltar foi ainda confirmada pelo professor Caio Graco.

Além disso, funcionários da Fazenda, além de serem sensibilizados a não coletar animais silvestres, ainda ajudam colocando alimentação e fazendo monitoramento, conforme foi verificado em uma soltura de pássaros-pretos, realizada há cerca de 01 ano, em que tais funcionários relataram inúmeros casos de reprodução e confecção de ninhos.

Uma segunda opção seria a área dos índios Pankararés, próxima a Paulo Afonso, onde existe um projeto em parceria com a Universidade e também um Escritório Regional do IBAMA, que poderia oferecer apoio.

A soltura seria realizada em esquema soft release, após aclimatação dos animais em gaiolões na área escolhida, com monitoramento intensivo na primeira semana. Após este período, os monitoramentos deverão ocorrer durante seis dias após um mês, três meses, seis meses, nove meses e um ano. A equipe deverá contar com, pelo menos, um servidor do IBAMA, funcionários da Fazenda e voluntários da Universidade, com supervisão do professor Caio Graco.

Após esta ação mais emergencial, os resultados deverão ser compilados e apresentados em um grande seminário aberto ao público, para o qual os grandes empresários e donos de terras do estado da Bahia seriam chamados e incentivados a cadastrar suas próprias áreas. Não é necessário esperar todo o período de monitoramento após esta primeira soltura; as ações de soltura, monitoramento e a iniciativa da realização do Seminário podem ocorrer concomitantemente. Desta forma, como fruto deste seminário, já sairia um cadastro de novas Áreas de Soltura e Monitoramento e outras possíveis parcerias em tais ações, para todo o estado da Bahia.

Ações:

· Contato com professor Caio Graco, da UESC (já realizado);
· Contato com Sr. Juracy e Índios Pankararés;
· Contato com EsReg Paulo Afonso;
· Contato com financiadores, a fim de providenciar: combustível, passagens (para os estudantes), alimentação, redes de neblina, binóculos e material para a confecção de gaiolões. Algumas anilhas já foram adquiridas pela COEFA e outras já foram compradas pela Fazenda Caraíbas, restando apenas o pedido de doação das mesmas;
· Ida ao local para construção dos gaiolões, novo levantamento da avifauna da área e ações preliminares de Educação Ambiental com a comunidade (01 semana em campo);
· Agendamento da soltura;
· Soltura com monitoramento de seis dias. Pode ser chamada imprensa local para registrar a ação;
· Monitoramentos posteriores (01 mês, 03 meses, 06 meses, 09 meses e 01 ano);
· Relatório final;
· Convite ao grande público, empresários, fazendeiros, universidades e mídia para um Seminário;
· Apresentação dos resultados preliminares em um Seminário aberto ao público;
· Cadastramento de novas Áreas de Soltura em todo o Estado.

Clique aqui para acessar o Relatório do CENTRO DE TRIAGEM DE ANIMAIS SILVESTRES CHICO MENDES, dos Anilhamentos das aves apreendidas pela COPPA, IBAMA e POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL.

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